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O Nu Revolucionário na Fotografia? Algumas reflexões sobre a estética da fotografia



Texto escrito em algum momento durante a pandemia, no bojo de uma discussão sobre o papel do fotografo em tempos de uma renovada pornografia nas redes sociais.


Nunca nos esqueçamos que arte é o trabalho do artesão... ou seja nós, o ser humano, que a todo o momento buscamos sempre aperfeiçoar/aprimorar aquilo que fazemos... Nessa dimensão, nos relacionamos ao sujeito que age sobre um objeto... e se apresenta num aspecto subjetivo (para o sujeito) ao mesmo tempo que o resultado (a capacidade do sujeito objetivada) é apresentado aos demais sujeitos (sociedade). De fato, há aqui uma relação subjetiva-objetiva entre sujeitos, o que determinaria a dimensão da subjetividade X reconhecimento (sujeito que faz x sujeito que aprecia)... Na sociedade capitalista, a aparência é que a arte é subjetiva em ambos os polos da relação. Que mediadas pelo valor que se atribui ao objeto. Porém essa compreensão - que é a base da teoria do conhecimento clássica/humanista (e aqui me refiro inclusive aos clássicos da filosofia como Locke, Rousseau, Kant, Descartes) é por deveras limitada. Pois nesse ponto é que entra uma segunda questão, ainda mais importante que a primeira, que antes de tudo determina a subjetividade dos indivíduos. nunca nos esqueçamos que a subjetividade não é algo vazio, ou melhor não se dá de maneira pura, isolada. Mas ela se dá sobre a realidade que prescinde a produção do individuo, sob formas sociais dominantes a partir de um dado modo de produção historicamente determinado. A produção social do individuo se dá no plano da ideologia dominante de um determinado tempo histórico. Ou seja a realidade é que influencia o individuo tanto que faz a artesania, quanto aquele que recebe a artesania objetivada. Assim o que se define como arte, na realidade e antes de tudo, se dá de maneira pre-determinada à forma de sociabilidade de um dado tempo histórico. Seja no que diz respeito às relações materiais de existência, da economia política e ao direito, seja, especialmente para o que se propõe discutir, no plano da estética. No plano das artes e da estética, um primeiro exemplo para demonstrar, fenomenicamente, como um dado modo de produção e suas formas sociais dominantes, determinam em ultima instancia, no plano da conformação das formas sociais, é a música. Ao tempo do absolutismo, tempo da acumulação primitiva de capital, em que ainda dominava o que modo de produção servil/mercantilista (tomando a Europa como origem do modo de produção capitalista) a estética da arte tinha uma forma social, cuja categoria central se relacionam à servidão enquanto modo de organização da artesania dos indivíduos sociais. Suas características gerais se apresentam não só no tempo de duração (horas de sinfonia a alegrar ou preencher o tempo daqueles que detinham o poder), mas também pela quantidade de servos à disposição dos reis por suas habilidades musicais, a forma de deferência desses para seus senhores, de vestimenta, etc... Na sociedade capitalista, onde reina a mercadoria, onde tudo o que se produz é voltado ao mercado (na oposição de valor x valor de uso) em que todos (tanto capitalistas quanto trabalhadores) são atravessados e constituídos em sua subjetividade pela finalidade, em ultima instância, da acumulação de riquezas, a forma estética da artesania tem por pressuposto fazer mais com menos para acumular mais. Numa constante redução do tempo de trabalho pelo desenvolvimento das técnicas da produção... e menos aqui não é dinheiro, mas também o é... O fenômeno mais contundente desta estrutura social se dá no fordismo (especialmente a partir dos anos 1950) passa a dominar, no plano da estética da musica, o consumo do rock. Numa banda de rock - que substitui as big bands, e antes destas as orquestras sinfônicas - antes de 30, 50 pessoas, nos temos 4, no máximo 5 pessoas fazendo a artesania daquelas 30 - 50 pessoas, tanto pela pessoa em si, quanto por seu instrumento musical (uma guitarra que substitui 20 violinos e violões, uma bateria que substitui todos os metais de uma orquestra, um baixo que substitui o violoncelo e o contrabaixo)... no contexto do desenvolvimento das técnicas de produção, até mesmo o rock vem sendo superado. Na atualidade do pós fordismo (neoliberalismo) o mesmo se opera de maneira ainda a se economizar o tempo de trabalho de maneira mais abrupta. Tanto que na media se destacam os DJs, que por meio de um computador, usam todos os instrumentos de uma opera (veja o caso do Parov Stelar, ou até mesmo do Alok). Claro que isso não é um determinismo economicista, antes, no plano da conformação das formas sociais pelo modo de produção, se dá uma coerção, as costas do individuo, que sobredeterminam tendências a influenciar, a partir do modo de produção (no todo de seus ciclos, produção, circulação distribuição e consumo) e respectivo regime de acumulação de riquezas, as formas sociais da superestrutura (da política, do direito, da estética e da ética).

De qualquer forma essa realidade constitui a subjetividade no que diz respeito ao consumo (veja o mesmo exemplo da musica, onde uma opera durava 03, 04 horas e hoje uma musica é apreciada se tiver, em média, 03 a 05 minutos). Ai entro na questão da fotografia, nosso objeto de discussão.

A fotografia entra nesse contexto como sendo uma expressão do real. Uma captura da realidade, num congelar de uma imagem para todo o sempre. Artesania esta que até o século XIX estava adstrita aos pintores. O advento da técnica da fotografia modificou profundamente a pintura, relegando a ela, já no inicio do século XX ao impressionismo, surrealismo, dadaísmo, cubismo, até a arte abstrata etc. E durante os anos 1900 a 1980, a fotografia, em sentido geral (observadas suas exceções) assumiu o papel que antes eram dos pintores. Ou seja, o retratar diuturno da realidade, em seus mais variados momentos (exemplo do Cartier Bresson, ou dos fotojornalistas em geral). A partir dos anos 1990, com a popularização da fotografia, pelo barateamento dos equipamentos técnicos, e principalmente dada a fotografia digital, esta vem sofrendo absurdamente um processo de desvalorização absurda, a ponto de qualquer um se achar um fotografo e exercer essa profissão. Não quero aqui cair na questão da proteção do interesse de classe (no caso dos fotógrafos), mas sim da ausência até mesmo de preparo de quem fotografa a refineza da estética do olhar fotográfico. Constatando um fato propriamente dito. Tanto é assim que hoje o que se vê mais na fotografia é a Selfie. Pois cada qual faz sua própria fotografia – num contexto de uma hiperindividualização do individuo a partir do “emprecariado empreendedor” que há que garantir sua aparência de sucesso e felicidade a qualquer custo. Qquando a não menos de 30 anos atrás, uma foto de família, festa, e até mesmo de nu, era feita pelo profissional da fotografia.

É nesse contexto que entro na questão da fotografia do nu. As artes, de um modo geral, ao longo da história, sempre se apresentam como um avant première, se contrapondo a generalidade, ao senso comum. Assim a fotografia do nu, na atualidade, tanto se refere à questão da produção em massa de fotos comuns (ai vemos a exponenciação de fotos de nu nas redes sociais, que são avaliadas não por sua diferença ao comum, mas pela quantidade de fotos produzidas). Tanto num contexto da dominância financeira dos grandes conglomerados internacionais do capitalismo digital e suas redes sociais e da hiperexposição do eu feliz e de sucesso das redes sociais em geral. Quanto num contexto de uma renovada mercantilização da pornografia (Xvideos, Pornhub, Onlyfans, Suicide Girls, Privacy, onde as redes sociais – por exemplo o Meta – ingressam pelos aplicativos de comunicação especialmente o whatsapp). A fotografia, sem qualquer estética, se presta a um consumo imediato para que a produz (geralmente o próprio retratado em autos retratos), na busca pelo narciso hiperbolizado, com o reconhecimento social de uma afirmação de sua diferenciação no plano social, de sua própria produção em si, a se diferenciar do comum, do normal. A tornar possível, a própria existência material pela possibilidade dos ganhos em dinheiro, por vezes muito superiores a um trabalho “normal” com jornadas de 8 a 12 horas.

Nos movimentos da história, o nu nas artes, inclusive na fotografia, não perde seu caráter revolucionário, na luta contra a moralidade dos padrões patriarcais, machistas frente aos fenômenos de um determinado tempo histórico. Ao mesmo tempo, as artes, enquanto fenômeno social, se inserem num contexto do modo de produção dominante, capitalista no caso dos últimos 300 anos de história. A mercantilização do corpo alienado se contrasta com o caráter revolucionário dos corpos nus contra a moralidade dominante. O retrato explorado do corpo humano não só como objeto, mas sim quanto ser em si e para si que objeto da arte da fotografia. Nas alternâncias da história, domina na atualidade uma tendencia da fotografia sem qualquer estética artística construída. Mas sim um imediatismo do consumo do nu, num contexto hipermercantilizado, a garantir uma acumulação impar, pela espoliação dos corpos nus de pessoas avidas por garantir seu sustento e simultaneamente por ampliar seu narciso. Neste cenário também cabem outros padrões estéticos, como por exemplo da provocação da libido, da constituição do desejo, da projeção de uma realidade inexistente, e até mesmo da provocação revolucionaria aos padrões comuns sociais. Tudo isso sem se perder de vistas a essência da fotografia, que é a imortalização de um momento para a história.

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